Nomes do Flamenco - Vicente Escudero

Bailaor e bailarino, Vicente Escudero nasceu em 1887 (cabe mencionar que alguns livros indicam que ele teria nascido em 1892) e faleceu em 1980. Não era gitano, ainda que muitos tenham afirmado que sim. Mas, segundo declarou em seu livro autobiográfico (denominado 'Mi baile'), sua infância transcorreu entre os gitanos. Vicente Escudero explica também em seu livro como começou a fazer os primeiros redobles nas tampas de bocas hidráulicas em sua cidade natal e como, aficionado por esse exercício, passava o dia correndo de uma a outra tampa para comprovar os diferentes sons. "Em todas era diferente, e por isso as preferia ao solo que não soava ou as madeiras das mesas que tinham uma vibração mais opaca". Depois decidiu dedicar-se ao baile, fazendo suas primeiras escapadas pelos povoados da província para atuar em praças e cafés durante as festas. Viajava freqüentemente com aspirantes e toureiros, e talvez dessa convivência com eles, lhe surgiu sua paixão pela festa nacional. "Bailava um baile o qual eu chamava de 'el tren' por ter sido inspirado nas minhas constantes viagens como clandestino, pelo ruído que produziam as rodas conforme variava a velocidade nas curvas e na reta do trajeto, sobre os trilhos. As pessoas dos povoados se entusiasmavam, sobretudo quando reproduzia com os pés as entradas e saídas das estações...".

Escudero narra as fatigas que passou em seus primeiros anos de bailaor, as dificuldades que teve com os guitarristas porque a princípio ele não sabia bailar no compasso. Esteve em perene rebeldia contra os bailaores que dançavam sempre ao mesmo toque rotineiro, sem nenhuma capacidade de improvisação: "O que baila sabendo antecipadamente o que vai fazer, está mais morto que vivo". Conseguiu entrar no Café de la Marina, mas ficou pouco tempo, ainda que seu baile tenha agradado o público. Porém, seus companheiros exigiram sua demissão, ameaçando saírem todos caso não fizessem assim. Alegavam que ao seu lado não era possível tocar nem bailar, porque ele queria palmear o tempo todo, e, como não sabia, estragava a festa. "Na verdade tinham razão, já que mantinham um ritmo medido e qualquer variação no som das palmas ou no compasso desorientava todo mundo". Assim foi Vicente Escudero tombando de um lado para outro naqueles tempos, até chegar ao Café Las Columnas de Bilbao, onde encontrou o grande Antonio de Bilbao, que, segundo ele era "uma pessoa sincera e boa que não tinha inconveniente em ensinar os segredos do flamenco, quando via em um jovem paixão e talento".

Mas o trabalho nos cafés também não o agradou e decidiu mudar de ares. Percorreu a Espanha atuando em filmes e em seguida foi para o exterior. Passou por Lisboa e Paris. Lá, obteve grande êxito e permaneceu por muito tempo, sentindo a necessidade de ampliar seu repertório. Foi quando começou a introduzir os bailes clássicos espanhóis. Participou da montagem El Amor Brujo ao lado de La Argentina. Em 1930 estava bastante envolvido no vanguardismo e surrealismo que dominavam o mundo artístico de Paris. Contagiado pelo ambiente, o bailaor começou a fazer seus primeiros desenhos. E em seguida pintava os bailes antes de dançá-los. A década de 40 foi provavelmente a de maior apogeu artístico de Vicente Escudero, na Espanha e no exterior. Nos Estados Unidos, ele foi considerado o melhor bailarino do mundo.

E sua convicção de que ele, não somente era o melhor do mundo, como também estava destinado a exercer uma espécie de suprema autoridade moral sobre tudo o que se referia ao baile flamenco, o levou a elaborar o famoso “Decálogo do baile flamenco” (veja abaixo). Alguns livros afirmam que entre os bailaores que mais compartilharam de sua filosofia acerca do baile masculino, destacam-se Antonio Gades, José de la Vega y José Manuel Huertas.

Trabalhou em vários filmes, mas sua relação com o cinema também não foi muito estimulante. Ele pensava que a grande mistificação exigida para a montagem de um filme quase nunca permite ao bailarino se expressar espontaneamente. Esse radicalismo em sua filosofia do baile, sua independência e seu orgulho raivosamente defendidos, era o que lhe garantia animosidades nem sempre justificadas. Desde jovem foi um rebelde que proclamou aos quatro ventos a verdade do baile, sua verdade. Odiava o aprendizado das academias, assim como desprezava aqueles que copiavam um baile. A essas pessoas, Vicente chamava de ladrões.

Para concluir, fica aqui uma sugestão de vídeo para quem nunca teve a oportunidade de assistir Vicente Escudero bailando. Trata-se um pequeno trecho de um filme rodado em 1966 (ou seja, ele tinha 79 anos!!!) em que ele aparece como um professor de flamenco (pelo que deu para entender!). O melhor é que no filme há participação de Gades tb, como vocês poderão observar!

Decálogo de Vicente Escudero voltado para o baile masculino

(o decálogo foi mantido em espanhol para evitar possíveis distorções de tradução)

I. bailar en hombre

II. sobriedad

III. girar la muñeca de dentro a fuera, con los dedos juntos

IV. bailar asentao y pastueño

V. las caderas quietas

VI. armonía de pies, brazos y cabeza

VII. estética y plástica, sin mixtificaciones

VIII. estilo y acento

IX. bailar con indumentaria tradicional

X. lograr variedad de sonidos con el corazón, sin chapas en los zapatos, sin escenarios postizos ni otros accesorios.